segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Um quilombo chamado Carolina Maria de Jesus!

28 de maio … A vida é igual um livro. Só depois de ter lido é que sabemos o que encerra. E nós quando estamos no fim da vida é que sabemos como a nossa vida decorreu. A minha, até aqui, tem sido preta. Preta é a minha pele. Preto é o lugar onde eu moro.”(Quarto de Despejo – Carolina Maria de Jesus).

Enganam-se os que pensam que quilombo é apenas um local para onde os negros (ou qualquer um com ânsia de liberdade) fugiam. Penso que um quilombo é, sobretudo, um local de resistência fincado no coração da hostilidade. Uma ilha cercada de rancores, raivas e ódios por todos os lados, mas que não se entrega sem luta. Sendo assim, um quilombo pode ser um lugar e também uma pessoa.

Zumbi dos Palmares era ele próprio um quilombo, assim como Dandara, Aqualtune e todos os que ali resistiram à opressão. Desta mesma forma, Carolina Maria de Jesus, a escritora catadora de lixo que registrou seu dia-a-dia na favela paulistana do Canindé em 35 cadernos, era sozinha um quilombo inteiro.

Os cadernos de Carolina viraram o livro “Quarto de Despejo: Diário de uma favelada”. Resistindo em meio ao ódio e o desprezo da São Paulo da metade do século passado (e que se mostra ainda feroz nesta segunda década do século 21), Carolina expôs todas as feridas. As dela e as da sociedade doente. Ela foi descoberta quase que por acaso, quando o jornalista Audálio Dantas, do Diário de São Paulo, fazia matéria sobre um parque na capital. Ali ele soube da catadora de lixo que era escritora e, curioso, foi conferir sua produção. Impressionado, correu para o jornal e a história daquela mulher correu a cidade. 

Quarto de Despejo foi publicado em agosto de 1960. A tiragem inicial de 10 mil exemplares esgotou em três semanas. O livro foi traduzido em 13 idiomas e se tornou um best-seller na Europa e na América do Norte. A menina que cursou apenas até o segundo ano do que hoje é o ensino fundamental ficou famosa e conseguiu mudar para uma casa de tijolos no subúrbio graças ao livro, no entanto, ganhou o ódio de seus vizinhos, que no dia da mudança atiraram penicos cheios nela e nos filhos, a chamavam de prostituta negra, a acusavam de ganhar dinheiro falando da favela, mas sem repartir o dinheiro. Uma pessoa que não se encaixava. Ignorada pelos de cima, hostilizada pelos de baixo, Carolina apenas resisitia "aquilombada" em si mesma... escrevendo.



“…Eu classifico São Paulo assim: O Palácio, é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o Jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.”  (Quarto de Despejo – Carolina Maria de Jesus).

O sucesso é efêmero, dizem. E é verdade. Apesar da fama, Carolina Maria de Jesus, nascida em 14 de março de 1914, morreu esquecida e pobre, de insuficiência respiratória em 13 de fevereiro de 1977. Em 2014 comemoramos os 100 anos desta mulher guerreira, que nos lançou um doído grito de socorro em suas obras. Apesar dos avanços ele ainda ecoa, ele ainda dói em muitas como ela, ele ainda lateja em todos os que se importam.

“E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome!”

A fome do corpo nós estamos aos poucos vencendo. Sair do mapa mundial da fome no mundo não é pouca coisa. No entanto, a fome por verdadeira inclusão, por verdadeira justiça, por verdadeira aceitação do outro, esta ainda está bem longe de ser aplacada. Resgatar Carolina Maria de Jesus é lembrar do que não podemos nunca, jamais e em tempo algum esquecer.

Livros publicados
•    Quarto de despejo (1960)
•    Pedaços de fome (1963)
•    Provérbios (1963)

Publicação póstuma
•    Diário de Bitita (1982)
•    Onde Estaes Felicidade (2014)


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