sábado, 24 de janeiro de 2015

Luisa Mahim: “Sou negra mina, sou nagô, sou jêje, sou pagã e libertária”



Representação de Luisa Mahin / Luiz Gama


Uma quituteira nas ruas de Salvador auxilia na articulação de uma rebelião. Ela ocorre, acontece delação, 70 pessoas são mortas, 281 presas e ela - a revolta - bem como a quituteira entram para história do Brasil como símbolos do não conformismo com a escravidão.

No domingo dia 25 de janeiro de 2015 completam-se 180 anos da Revolta dos Malês,  uma das maiores e mais impressionantes rebeliões escravas ocorridas no país e este deveria ser tema de uma enxurrada de programas e debates, assim como a pessoa a quem atribuem a frase que abre este texto: Luísa Mahin

Luísa é um mito. Para grande parcela ela personifica o emblema da luta, da não entrega, da coragem, da ousadia. Um nome que deveria ter tudo o que certamente não terá este ano, que são matérias em jornais, especiais na TV, a divulgação em larga escala do que representou. E não preciso nem dizer o porquê disso não ser notícia...

Apenas recapitulando rapidamente para os que ainda não foram apresentados a esta personagem e à famosa revolta (Se este é o seu caso não se acanhe! Leia em obras de bons historiadores eescritores. Tem uma listinha bacana no final. É uma passagem sensacional e essencial para entender mais o nosso Brasil. Fica a dica).

A palavra ‘malê’ vem do iorubá ‘imalê’ e signfica ‘muçulmano’. Esta era uma expressão genérica para designar os provenientes do povo mahi (do Benin) e outros negros islamizados como hauças, tapas, bornus, etc. Africanos das etnias jêje e nagô que foram os articuladores e protagonistas da revolta que em 1835 apavorou a província e em grande medida, o país. O objetivo era ousado: Tomar o poder, libertar os africanos, confiscar os bens dos brancos e mulatos e estabelecer uma monarquia islâmica.

Os planos foram cuidadosamente elaborados, dizem, pelos que tinham experiência anterior de combate na África. Todas as mensagens eram escritas em árabe e - segundo consta - corriam entre os revoltosos escondidas no tabuleiro de Luisa. Mais de 600 pessoas participaram da revolta que de acordo com João José dos Reis – autor de Rebelião Escrava no Brasil – levando em consideração a população da época corresponderia hoje a 24 mil pessoas.

Os planos de ataque eram assinados por um escravo de nome Mala Abubaker. Eles sairiam do atual Porto da Barra para o centro de Salvador, tomariam o poder, rumariam para o Recôncavo onde tinham infiltrados nos engenhos para libertar os escravos por lá. Após a repressão do levante que durou dois dias, as penas foram da execução de quatro identificados como os principais líderes até os castigos corporais, trabalho forçado e exílio. De Luisa diz-se que foi deportada para a África, que fugiu para o Rio de Janeiro ou ainda para o Maranhão.

Muito se fala sobre aquela que teria sido a mãe de Luiz Gama, o advogado dos escravos, que é reverenciada e homenageada pela comunidade negra no Brasil, mas como  ainda não apareceram documentos que atestem inequivocamente a existência de Luisa, realidade e imaginação se mesclam numa figura que já extrapolou o personagem histórico em si. Tudo é dúvida e tudo é certeza! Luiz Gama revelou numa carta autobiográfica enviada em 1880 ao amigo Lúcio de Mendonça algumas pistas sobre sua mãe.

"Sou filho natural de negra africana, livre, da nação nagô, de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, a cor de um preto retinto sem lustro, os dentes eram alvíssimos, como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa."

A partir daí surgiram poemas, histórias, estudos, elucubrações, hipóteses.  E Luiz também dedicou a ela os versos de ‘Minha Mãe’, publicados no livro ‘Primeiras Trovas Burlescas de Getulino’ e que começam com ...

“Era mui bela e formosa,
Era a mais linda pretinha,
Da adusta Líbia rainha,
E no Brasil pobre escrava!”

Amuleto malê. Apreendido entre os revoltosos de 1835.
O legado deixado pelos povos islamizados é vasto na nossa cultura. Vai de temperos e comidas, a vestimentas e práticas religiosas, mas é curioso observar como o brasileiro mediano se vê totalmente apartado do universo muçulmano.

Não sei bem no que daria caso os malês tivessem tido sucesso. Fazendo um exercício de imaginação certamente não seria nada do que particularmente sonho para a minha pátria... Mas tão pouco isso que temos é o que desejo para mim, meus filhos e os que virão depois, logo, o recado dado por eles segue mais atual do que nunca: Definir o que se quer, planejar e lutar por isso!

Dicas legais de leitura sobre Luisa Mahin e a Revolta dos Malês:

REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil: a história do Levante dos Malês em 1835.
Companhia das Letras, 2003.

GAMA, Luiz. Carta a Lúcio de Mendonça: São Paulo, 25 de julho de 1880 In:
Luiz Gama o libertador de escravos e sua mãe libertária, Luíza Mahin. São Paulo: Expressão Popular, 2006.

GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Record, 2006.

ARACI, Nilza, PEREIRA, Maria Rosa e RUFINO, Alzira. A mulher negra tem história.
Coletivo de Mulheres Negras da Baixada Santista/Prefeitura Municipal de Santos, s.d.

ALVES, Mirian. Mahin amanhã. Cadernos Negros, nº 9 (1986): p.46.



Nenhum comentário:

Postar um comentário