quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O peso do levantamento: “Disseram que não iriam me patrocinar, pois preto não vende”



Foto: Arquivo Pessoal
Josélia Oliveira, 35 anos, tem voz pausada, muito bem articulada, é doce na fala e fera nas atitudes. Antes de chegar aos 30 passava dos 100 quilos, estava hipertensa, com problemas cardíacos e no caminho certo para o fim prematuro, pois entrava no grau dois de obesidade (o máximo é três). Com recomendações médicas para mudar de vida com urgência, Josélia obedeceu prontamente e, entre outras coisas, incluiu o esporte em sua vida. Caminhada? Natação? Corrida? Nada disso. Levantamento de peso.

- Comecei a fazer musculação com um pouco de medo e vergonha, mas quando completou dois meses eu tinha perdido 12 quilos! Fiquei tão empolgada que segui treinando e aí fui chamada para treinar mais sério e competir. Não parei nunca mais. Hoje tenho uma rotina rígida para me preparar para os campeonatos. 

 A estudante de administração, que com a prática esportiva mudou para a cadeira de educação física, enfrenta uma hora e meia todos os dias para sair do bairro carioca de Senador Camará e chegar a Escola de Levantamento de Peso Olímpico Aline Campeiro, no Engenho Novo; luta para se manter competitiva e em sua categoria - até 60 quilos - e coleciona os títulos de campeã brasileira de supino, campeã estadual de levantamento de peso básico, entre outros. 

Foto: Arquivo Pessoal
Josélia, assim como muitos, sempre teve que lidar com o racismo, mas na fase que estava com sobrepeso também precisou enfrentar a rejeição aos obesos e, desde que começou a levantar peso, sente os preconceitos contra as mulheres que fazem “esportes de homem”. Somado a isso tudo, o estigma que ronda a modalidade: Doping.

- Nós temos uma rotina muito intensa de treino. O desempenho é devido à disciplina na prática, na repetição, na alimentação e com a vida regrada. Dopagem existe em todos os esportes, mas não é da forma como as pessoas imaginam e não são todos os atletas. Mais uma vez o desconhecimento gerando preconceitos. Ainda associam força apenas aos homens. Nós, mulheres praticantes, ouvimos muitas coisas desagradáveis e machistas. Sempre nos associam à homossexualidade, como se isso fosse algum demérito. Mas a gente ignora e segue em frente. Essas ideias apenas serão quebradas com mais informação. Esporte é para o ser humano. Não tem essa de esporte para homem, para mulher... Todos podem. Não existe limitação. A pessoa tem apenas que se identificar com a atividade, se cercar dos cuidados médicos e começar. Não importa a idade, a cor, nada.
Foto: Arquivo Pessoal
 Em tempos tão esportivos, em que o Brasil sediou uma Copa do Mundo, está prestes a realizar uma Olimpíada e que este ano teve em Toronto, no Canadá, suas primeiras medalhas pan-americanas femininas no Levantamento de Peso (dois bronzes com Jaqueline Ferreira e Bruna Piloto) a busca por patrocínios continua a ser o calcanhar de Aquiles de grande parte dos atletas, mas se este competidor é mulher e se esta mulher for negra...

- Num evento de nutrição, que acontece regularmente aqui no Rio de Janeiro, em 2013, fui conversar com algumas empresas e de uma delas eu ouvi que não valeria a pena me patrocinar porque "preto não vende". A resposta foi muito ofensiva e eu sei que é isso o que muitas empresas pensam. O material é caro, tem as viagens... É muito duro conseguir apoio. Temos um desafio a mais porque o racismo existe. Isso faz com que muitas atletas desistam, pois é difícil custear. Consigo me manter no esporte porque tenho a ajuda de amigos e recebo doação de material. Uma escritora de São Paulo, por exemplo, me doou livros para revender e obter recursos para competir. Tenho uma amiga no site www.ateltasbrasil, que ajuda atletas que não tem patrocínio e também recebo algum auxílio por lá.


Prestes a coordenar o braço social do espaço gastronômico ‘Bele Bele Cubano’, que será criado pela empresa Tur Chefe América, do chefe de cozinha cubano Fernando Calderón Boris, para apoiar alguns atletas, Josélia se desdobra para concluir a faculdade de Educação Física com muitos sonhos para o futuro. 

Foto: Arquivo Pessoal
 
- Agora pretendo participar do Campeonato Sul-Americano e de outros campeonatos internacionais. Quero continuar no esporte que eu amo. Abracei o levantamento de peso. Olho a barra e os meus olhos brilham, então vou continuar me dedicando e buscando apoio. Gostaria muito de treinar crianças. No Brasil, em cada esquina tem uma escolinha de futebol, mas nem toda criança será o Neimar! Existem outros esportes. É preciso diversificar. A riqueza do Brasil é imensa também no campo esportivo.

Por superar tantos preconceitos e continuar na luta, Josélia, você é uma Flor da Cor!